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Eu tava tomando banho pra sair quando pensei no que minha vó tinha dito de que não iria morrer naquela noite e que por isso eu podia sair tranqüilo. Eu fiquei pensando que ela era realmente a pessoa que mais me conhecia neste mundo e que talvez ela soubesse que eu estava de pau duro na praia e que por isso tinha demorado mais que o normal.
Depois de me vestir fui até o quarto dela e abri a porta sem fazer barulho e fiquei olhando pra ela e vi que a pele dela era enrugada e que, mesmo assim, o tórax dela se mexia pra baixo e pra cima mostrando que ela ainda tava respirando e que, portanto, estava viva também. Fiquei olhando minha vó durante uns três minutos. Reparei que de vez em quando ela mexia a língua por debaixo da boca fechada e a língua fazia um movimento lateral que empurrava a pele da bochecha dela de forma que seu rosto ficava desproporcional e aparentava um tipo de deformidade. A língua, as vezes, ficava ali por 15, 20 segundos, deixando a cara da minha vó inchada e parecida com a cara de um corcunda que eu vi num filme que tinha passado na TV de madrugada.
Quando saí de casa vi que já não havia ninguém na rua e que as pessoas assistiam televisão dentro de suas casas. Pensei que todos assistiam muita televisão e que deviam assistir menos televisão e fazer mais coisas com o próprio corpo. Pensei também que a televisão aliviava a vida das pessoas porque era capaz de deixar todos sem pensar em nada.
Eu cheguei no bar e vi que tinha mais gente do que o comum. O velho me trouxe uma cerveja e falou que tinha os amendoins que eu tanto adorava. Eu falei obrigado e disse que quando eu pedisse a segunda cerveja ele podia trazer dois pacotinhos de amendoim, ele sorriu e disse sim senhor.
Eu tomei a segunda cerveja e paguei o velho e ele disse obrigado. Quando cheguei em casa estava satisfeito e, antes de dormir, eu escrevi no meu caderninho feito especialmente pra isso.
“Hoje, durante minha caminhada noturna, eu pensei em muitas coisas. Pensei que tudo esta sempre bem quando a noite é quente e a maioria das pessoas estão dormindo em seus lares.
Pensei que no fim dá tudo certo e que os animais que saem a noite são os animais mais felizes que existem“.
“Haviam duas vadias na rua. Eu passei e elas falaram que me chupavam por 20 reais as duas. Eu perguntei como assim e eles riram e falaram, usa a cabeça, filhinho”
“O gato vadio estava no meio da rua e seus olhos brilhavam como se ele fosse uma coruja.”
“ o gato é um animal sem variedade de expressão. Está sempre com uma cara de arrogante. “
Pensei em várias coisas antes de dormir. Pensei, mas nunca lembro das coisas que eu penso antes de dormir. Comigo foi sempre assim. Uma vez pensei em uma história muito boa mesmo. Enquanto pensava eu tinha certeza de que era a melhor história de todas que eu era capaz de inventar. Era a história do meu melhor livro que eu nunca escreveria porque afinal as coisas são sempre assim no vai ou racha e eu dormi e nunca me lembrei daquela história que seria a melhor história de todos os tempos e que jamais foi escrita.
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