sexta-feira, julho 06, 2007

Você me olha. Pela primeira vez. Agora. Assim. Seus olhos são dois planetas. Duas bolas grandes envoltas em capas finas. Você tá aí. De repente é o que vejo: você está lá. Tá quase entregue. Não está entregue, mas é como se estivesse. Acabaram os recursos e as formalidades. Eu queimo nos segundos que passam. Sou atravessado e nem sei. Lembro do sonho de antes: um sonho besta que nem contei.
Assim: Você era maior do que eu e me olhava de cima e ficava sorrindo só com a boca escangalhada. Você não tinha dentes e sua boca era tão vermelha que eu não sabia se aquilo era sangue. Se aquilo era sangue da perda de dentes. E você ficava lá em cima com essa boca assustadora e de repente você piscava bem lenta e quando o olho voltava ele estava todo branco, como que cego, como se tivesse leite injetado. Então, com seus olhos de leite, você começava a abrir a boca e eu via suas gengivas sem dente que sangravam e você abria a boca cada vez mais e, assim, abrindo a boca assim, você começava a se engolir, como que virando do avesso. Sua boca escancarando e engolindo você mesma. Você tinha virado uma bolinha, uma coisa bem pequena que nem era tão redonda, mas era como se fosse. E essa coisa pequena, que era assim, era teu olho de verdade, teu olho de verdade que é azul e medonho. Eu nem sabia o que fazia. Eu olhava você que era uma bolinha que era seu próprio olho que me olhava. Eu estava parado e você mexia lá dentro do olho que você era agora. E era como se pedisse ajuda, como se dentro daquele olho você fosse um serzinho completo, mas com milímitros de tamanho. Mas eu não te ajudava porque eu achava que se eu rasgasse teu olho que era você agora eu teria tirado você daquela bolinha, daquela bolinha estranha, mas que te protegia. Como se ali dentro fosse seu habitat e tivesse um oxigênio especial para sereszinhos milimétricos. Mas lá dentro você estava triste e queria ajuda, mas eu não sabia o que fazer. Eu pensava assim: se eu a ajudar eu a mato e eu não quero que ela morra, melhor ela lá que ela sem existir. E você sofria lá dentro, você agonizava lá dentro e eu nem podia fazer nada.