Ela era linda. Tinha olhos imensos e fundos. Eram dois abismos que me olhavam e me chamavam pro turbilhão.
Tava tudo certo. A gente tava na festa e a gente falava e bebia e de vez em quando ela ía pra pista rodar.
Ela ficava linda na pista, a pele branca misturada com as luzes artificiais. Ela era um demônio no meio do mundo, no meio da festa, no meio da pista. Um demônio lindo, eu tremia de olhar pra ela.
Quando ela voltava da pista ela pegava minha mão e passava em sua testa e dizia ó o meu suor, ó o meu suor, e eu concordava e ela sorria com a boca bem aberta e os dentes azulados pela luz e, ainda segurando a minha mão, dizia sente o suor da nuca, da nuca e dava um riso repentino e colava a boca vermelha no meu ouvido e dizia a nu-ca, a nu-ca. Nuca não é uma palavra encantadora? Nu-ca, nu-ca...bei-jo-na-nu-ca, e eu lhe beijava a nuca e ela se desprendia como um gato e voava de volta pra pista e rodava olhando pra mim com a boca imensa num riso largo e devastador.
Eu ía pro bar e pegava duas bebidas, uma pra ela e outra pra mim, e ela se aproximava e arrancava a bebida da minha mão e dava um gole até metade da garrafinha prateada e dizia bom é beber no gargalo, né não? e ficava na minha frente falando de todos os pequenos prazeres que ela tinha parecidos com esse de beber no gargalo e que também incluía o hábito de guardar flores e folhas dentro de livros e ainda, e o mais surpreendente de todos, que gostava de guardar todas as unhas que cortava num pote que ela só esvaziava no ano novo.
Quando a gente saía da festa ela me segurava pelo pulso e dizia que essa coisa de mãos dadas não tinha cabimento entre um homem e uma mulher já que dar as mãos é coisa que se faz pra atravessar a rua com crianças ou ceguinhos.
Eu sorria e olhava pra ela que me puxava pelo pulso e pegava no seu braço e virava ela pra mim e lhe dava um beijo longo, um beijo só de lábios, sem língua.
Os lábios grudados um contra o outro trocando o mesmo ar.
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