segunda-feira, agosto 13, 2007

quando os ossos acalmam.

O cavalo passeava tão vistoso e brilhoso. O pêlo bem curto e quase dourado. Eu via seus olhos olhando ele. Sua boca aberta e seu encantamento pelo animal. Você não se mexia. A sua respiração era só um fio e os olhos fixos só se moviam com o trote. Eu via você que via o cavalo. Eu entendi tudo. De repente. Num segundo. Eu entendi que era assim mesmo. Que era sempre assim que seria.


Você tinha um riso na boca. Um riso louco de mistério. Uma coisa que eu nunca tinha visto. Um riso que era diferente de tudo. Um riso inédito que confirmava aquilo que eu tinha acabado de entender. Eu nunca tiraria aquele riso da sua boca e ele seria sempre uma sombra em mim. Nesse pacote todo eu entendi isso também. É curioso como as coisas podem surgir de maneira tão rápida e definitiva.


Você continuava parada e eu nem queria piscar que era pra não perder nada daquilo tudo que eu estava entendendo. É como se se eu piscasse eu fosse perder algo de fatal. Porque tudo estava se dando assim: tudo tava surgindo com uma clareza enorme e em centésimos de segundos. Era tão claro tudo isso na minha cabeça. Era uma certeza tão profunda que eu sabia que se eu piscasse eu estaria perdido. Perdido pra sempre, pois teria perdido outra revelação fatal que surgiria enquanto você olhava o belo cavalo dourado que passava.

Eu resistia, mas meus olhos queimavam. Você não lembrava de nada, você era apenas dois olhos que acompanhavam um cavalo dourado. Eu sentia meu próprio esforço. Eu sofria com meu próprio esforço. O meu esforço era uma dor necessária pra que eu tivesse, enfim, o último entendimento total que eu só poderia ter ali, com você fixada num cavalo dourado.


E de repente de novo ela me invadiu e, de novo, eu entendi tudo e, então, pisquei longo sabendo que as revelações já tinham acabado. O cavalo dourado ía distante e você voltou ao normal e fomos andando de mãos dadas até o bar. E fomos andando de mãos dadas em silêncio. E era um silêncio bonito e triste, um silêncio tão terno, mas tão terno, que se eu morresse alí, morreria com a sensação de paz que sempre quis para a hora da boa morte.


No bar a gente não falou sobre nada. Não falamos sobre o cavalo, não falamos sobre nós, não falamos sobre dores ou alegrias. Falamos apenas de um filme ou outro, de um dinheiro que não tinha entrado e tomamos duas doses cada e voltamos pra casa e fizemos amor e depois dormimos enroscados e nus.


De manhã você saiu e me beijou os olhos e me olhou como nunca antes tinha me olhado e me acordou com a mão quente no cabelo e me disse o eu te amo mais sincero que eu ouvi e fechou a porta e deixou um bilhete dizendo que tinha café fresco na garrafa.


Eu levantei. Eu vi o bilhete. Eu lembrei de Deus. Eu dormi em paz.