sábado, dezembro 01, 2007

sobre os sonhos.

Então era simples. Era só eu me sentar na frente da tela branca e brilhante e esperar que os pequenos milagres acontecessem. Juntava umas letrinhas, fazias umas frases e terminaria uma história, uma saga, um romance. A porra toda eu seria capaz de fazer.
Eu teria um quarto bem bacana numa cidade a uns 50 km daqui. Seria uma casa de 2 andares e o meu quarto seria todo de vidro. Eu veria as árvores e os bichos e os passarinhos que eu só veria porque, graças ao bom Deus, o vidro seria à prova de som. Um silêncio de morte, belíssimo, que só seria interrompido pelos meus dedos nas teclas ou pelo isqueiro ou pelo barulho discreto da brasa do cigarro queimando no cinzeiro. As vezes eu poria uma música que viria de caixas bem distribuídas e embutidas no meu quarto transparente e limpo. Duas mesas largas e distantes uma da outra. Uma estante com poucos livros, só os da vez. Uma poltrona azul com uma luz grudada para as horas de leitura. E desse quarto, além da árvores e dos bichos e dos passarinhos, eu veria a estrada, de forma que eu sempre saberia quando alguém estivesse chegando.
Eu ficaria nesse quarto pela tarde e por um período da noite. Das 15:00 às 19:00 e das 23:00 às 2:00. Esse quarto seria chamado pelas crianças como o 'escritório do papai' e, alguns dias, elas ficariam na outra mesa desenhando e rabiscando papéis. O meu acordo com as crianças é que se elas quisessem ficar alí, teriam que ficar quietinhas. E de vez em quando eu olharia pra elas rabiscando e elas falariam: 'eu tô quietinha, pai' e eu diria 'eu sei, eu sei, mas agora eu quero lhe mostrar uma coisa'. E então eu mostraria umas coisas pra elas e as deixaria falar bastante e mexer nas coisas que geralmente eu não as deixava mexer. E teria dias que ficaria com as 3 alí e quando tivesse ficando escuro elas perguntariam o que eu achava de chamar a mamãe e eu diria 'ótima idéia' e nós 5 ficaríamos no quarto de vidro.
A gente apagaria todas as luzes da casa e ficaríamos deitados no chão do quarto de vidro e faríamos jogos de associação e cantaríamos músicas e inventaríamos histórias de terror. E a gente ficaria cansado de tanto falar e ficaríamos em silêncio por 10 ou 20 min.
Depois disso o do meio cochicharia no meu ouvido e eu diria 'boa idéia' e ele levantaria e elas perguntariam 'o que? o que ele vai fazer?' e eu diria que 'era segredo e que todos nós teríamos que fechar os olhos e deixar ele fazer o que tinha que fazer'. O do meio assobiaria o tempo todo enquanto fazia o nosso combinado, porque ele sabia que ninguém podia saber o que ele estava fazendo ou a graça acabaria. Isso aconteceria às 22:04. E às 22:06 o do meio viria eufórico pra perto de nós e diria: 'silêncio, silêncio, olhos fechados!'.
Ele teria posto uma ópera terrível, com muitas vozes e violinos agudos e aterrorizantes. Nós todos riríamos e ele insistiria dizendo: 'só não vale abrir o olho'. E a menor agarraria minha perna e a outra agarraria a menor e a mamãe abriría os olhos e me daria um beijo. E a ópera terrível acabaria e os 3 estariam dormindo sem terem sequer tomado banho.
Eu e ela os poríamos nas camas que ficariam no mesmo quarto, pois a gente sempre tinha achado importante que nesse início era bom que eles dividissem os espaços. 1 cama e 1 beliche. A parte de cima do beliche seria sempre revezada a cada ano.
Depois a gente desceria e abriria um vinho. Beberíamos 1 copo sentados sem falar e lambiscando um queijo e uns salgadinhos que eram das crianças.
Eu a convidaria para ir ao quintal e ela sorriria e daríamos as mãos e beberíamos o resto da garrafa no gargalo, tomando cuidado para não rir muito alto. Ela me falaria 1 milhão de coisas e eu só concordaria com tudo. Nôs beijaríamos sem muito tesão, mas com um prazer imenso de levar a vida que levaríamos. Fecharíamos a casa e iríamos pro quarto.
Eu escovaria os dentes e ela faria xixi enquanto ainda lembraríamos de umas coisas e riríamos. Ela tomaria 'uma ducha relaxante' antes de ir se deitar. Ela sairia com uma toalha enrolado no corpo e outra no cabelo. Diria que resolveu lavar os cabelos. Eu diria 'sim, sim' e pediria pra ela dormir nua do meu lado e com os cabelos molhados. Ela sorriria e viria até a cama e dormiríamos agarrados e sem fazer amor. Dormiríamos à 1:20.
De manhã eu acordaria antes e lavaria a minha cara. Quando saísse do banheiro eu a veria esparramada na cama e me juntaria à ela. A gente faria amor de manhã.
Apenas um pouco antes das crianças acordarem e se juntarem à nós.

2 Comments:

At 9:12 PM, Anonymous Anônimo said...

Eu sei que eu disse que não ia ler mais teu blogue. Mas voltei, li e amei. Um beijo meu querido Ferrrrrnando. Para você, para ela e para os três....

 
At 11:17 AM, Blogger fmaatz said...

ela e os 3 agradeçem.
bjs.
f.

 

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